15 julho 2016






A RTP anterior ao 25 de Abril era um medium paradoxal. Por um lado, cumpria por inteiro nos noticiários a função de megafone do regime salazarista-marcelista. O próprio chefe do Governo, Marcelo Caetano, apologista da TV, usava a seu bel-prazer a RTP, que ajudara a criar, com as suas Conversas em Família, que não eram nem conversas nem em família, antes prelecções, em forma de aulas de cátedra para o povo. Antes dele, Salazar desconfiara da TV, com razão, pois o medium podia facilmente destruir o seu mito, a custo construído, de ditador à distância. Defensor da forma de comunicação do medium, Caetano não discursava, como fizera Salazar, antes simulava “conversar” com alguém que, todavia, não intervinha na “conversa”. As prelecções políticas do chefe do Governo terão criado um efeito contrário ao desejado: ao “naturalizarem” o primeiro-ministro, tomavam-no vulnerável. Ao querer distinguir-se de Salazar, Caetano enfraquecia a aura de distância e de génio solitário que o seu antecessor criara. Por outro lado, com liberdade de escolha dos programas (não se comparava com a TV dos regimes de tipo soviético), a TV portuguesa abria horizontes aos espectadores. As séries estrangeiras mostravam outros mundos, culturas, regimes, amiúde mais livres. Os programas portugueses, mesmo se apolíticos, eram instâncias dialógicas; o diálogo contradizia, pela sua mera existência, a unicidade e a verticalidade da mensagem política do regime. Nesse sentido, Zip-Zip foi uma pequena revolução comunicacional. Era gravado em “falso directo” perante uma audiência ao vivo, no formato hoje chamado talk show, e apresentado dias depois. Pelo humor de Raul Solnado, falava de questões de actualidade, não directamente políticas.
Eduardo Cintra Torres, A Televisão e o Serviço Público

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